sexta-feira, 5 de abril de 2013

Repúdio à banda New Hit em Fortaleza


Repúdio à banda New Hit em Fortaleza. Foto: Viktor Braga

No dia 31 de março de 2013, Fortaleza foi violentada ao receber o show da banda de pagode New Hit. Os integrantes da banda estão respondendo em liberdade a acusação de estupro de duas meninas menores de idade, fato ocorrido em agosto do ano passado, na cidade de Ruy Barbosa, na Bahia. O laudo da perícia já saiu e os exames comprovam que sim, houve estupro. Aí você se pergunta: e por que eles ainda não estão presos? E eu sinto muito em dizer que não sei. Realmente não sei. De acordo com o Art. 1 da Lei 7960, III, f - discorre: Caberá prisão temporária: quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes - (...) f) estupro. Se a própria lei manda que prenda, quem manda soltar? Quem manda interromper um julgamento na metade por falta de testemunhas a favor dos réus? Tudo anda muito estranho nesse país: as meninas estupradas são acusadas e ameaçadas e os estupradores fazem show Brasil a fora. 
Mas preparem-se estupradores: no Brasil inteiro há também gente que não tá de acordo com vocês, pessoas que não financiam a cultura do estupro, que não julgam a mulher pela roupa que ela veste e que não vão deixar o povo esquecer o que vocês fizeram. E essas pessoas estavam ontem na Praia do Futuro, em frente à barraca Master Beach, protestando contra esse absurdo! Não éramos os 414 que confirmaram presença no Facebook. Éramos bem menos, mas nem por isso a voz falhava ou o medo tomava conta: a gente tava com a razão, estupro é crime, não é verdade?!


             Chegamos lá à tarde, perto das 15h, com panelas, latas, colheres de pau, cartazes e um megafone e gritávamos palavras de ordem. Mulheres e homens indignados e que não se calariam diante da injustiça! “Poderia ter sido qualquer uma de nós, qualquer uma de vocês. Não podemos deixar acontecer!”
Por muito tempo a gente gritou em frente à barraca. Pessoas se aproximavam para comprar os ingressos e se perguntavam o que era aquilo. “Achei um absurdo! Como pode eles tocarem ainda?”, se perguntava um dos jovens que se aproximava do movimento. Alguns, acreditem, ainda nem sabiam do que tinha acontecido (e você aí achando que o Face é o novo canal de notícias do mundo...) e ficavam transtornados quando ouviam. Teve quem desistisse do show, o que para nós já era uma vitória.
“Odeio violência”, disse uma senhora com quem conversamos na praia. E é essa mesma a palavra: violência. Porque sexo é uma coisa, sexo com violência é estupro.
A entrada do show foi modificada devido à movimentação na porta da barraca. Nós nos mudamos também. Quando as pessoas perguntavam “Qual o seu objetivo com isso? Vocês podem fazer o barulho que for e eles ainda vão tocar!” Nosso objetivo maior era sim impedir o show; mas, além disso: queremos fazer barulho, incomodar, mostrar que a gente não esqueceu e que eles ainda vão pagar pelo crime! Nossa vitória era ver que isso realmente acontecia: a barraca, seus produtores, donos, seguranças e colaboradores estavam muito incomodados ao ouvirem que, contratando uma banda acusada de estupro, estavam de acordo e financiando a cultura do estupro.

O Conselho Tutelar foi chamado e apareceu com a Polícia Militar: havia denúncias de que a festa estava recebendo menores de idade. Mal a van do Conselho estacionou, a produção fixou o cartaz “Entrada somente para maiores de 18 anos mediante aprovação de documento de identidade”, até então inexistente. O Conselho Tutelar saiu ainda com dois menores, os únicos encontrados na festa.
Nessa hora, pessoas ligadas à produção da festa vieram falar conosco: questionaram as pichações no local e argumentaram que gastaram dinheiro com a reforma. “Foram vocês?”, perguntaram; não, não fomos nós. Foram pessoas que estão indignadas com essa palhaçada de financiar estuprador! Ouvimos nessa hora os maiores absurdos do dia: segundo uma senhora ligada à produção do evento, os produtores questionaram o dono da barraca sobre a contratação dessa banda, especificamente, afinal, era claro que geraria polêmica. O dono respondeu, segundo a produtora, que estava consciente de tudo, mas que o fato deu ibope para a banda, tornando-a conhecida, e que era isso que ele queria para a barraca dele. “Ou seja: ele está, conscientemente, financiando o estupro e lucrando em cima do crime?”, perguntamos à moça, que se limitou a dar os ombros e sorrir. Aproveitando sua disposição em dialogar, questionamos o que ela achava do fato, do estupro e da repercussão que estava tendo. Ela nos disse que há anos trabalha com swingueira, mas, segundo ela, não gosta disso (Ah! Permita-me: moça, melhore! Vá fazer algo que você ama!). Segundo ela, é normal ver fãs entrarem nos ônibus e fazerem sexo com os componentes das bandas. “Sim, sexo é uma coisa normal, mas estupro?”, perguntamos. E ela respondeu “Sabe o que aconteceu ali? Essas meninas perderam o controle da situação.” Sim, nós sabemos, mas não justifica, “Justifica?!” E ela disse que não... “Mas as meninas sabiam que aquilo poderia acontecer!” E eu pergunto de novo: justifica?! “E se fosse sua filha?!”, questionamos. Ela respondeu enfaticamente “Minha filha não anda em swingueira”. Moça, isso não acontece só nesses shows, isso acontece no mundo todo, em qualquer lugar! Aliás, há pesquisas que indicam que a maioria dos casos de estupro acontece dentro de casa e são cometidos pelos próprios companheiros e pessoas de confiança das mulheres. Ela revidou “O crime acontece em qualquer lugar, a gente não pode ficar peneirando pra passar só quem não tem crime nenhum. Não ia sobrar ninguém.” Pois que não sobre. Que não sobre nenhum estuprador livre por aí. E que fique claro: podia ser sua filha, mas, mesmo que não seja, mesmo que não seja nenhuma de nós e que nunca tenhamos visto os rostos das vítimas, isso não nos impede de lutarmos para que seus direitos sejam respeitados e que a justiça seja feita. Mexeu com uma, mexeu com todas.
O maior dos absurdos escutamos de um senhor também ligado à produção do evento. Muito chateado pelo Conselho Tutelar ter entrado na festa, ele veio conversar conosco e disse “A menina que entra numa festa dessas, sabe muito bem o que pode acontecer.” Um dos nossos companheiros questionou: “Então é como se as meninas assinassem um termo de compromisso dizendo que se forem estupradas em festas como essas é culpa delas?!”. O produtor sorriu e balançou os ombros, “Como se fosse”.

Foto: Viktor Braga

Esse tipo de diálogo não nos leva para canto nenhum, mas é bom de ser travado para que vejamos com que tipo de gente estamos lidando: pessoas que culpam a vítima pela violência sofrida, que acham normal mulheres serem estupradas e criminosos estarem à solta; pessoas que não se importam umas com as outras e que não discutem, não se indignam e não acham importante manifestar-se contra a violência. É, machismo mata, todos os dias; cruzar os braços diante das injustiças também.
Com o passar das horas, estávamos cansados, com fome e pouca energia para continuarmos. Aos poucos, cada um foi voltando para a sua casa. Mas isso não é uma derrota, pois, vale lembrar, nossos objetivos, já mencionados, foram cumpridos, companheiros!
Era por volta das 20h quando o ônibus da banda New Hit chegou. Antes de entrarem na barraca, eles rezaram dentro do ônibus. E eu fico me perguntando: teríamos o mesmo deus? Não sei. Debate muito profundo para o momento. Sob palavras de ordem e cartazes de acusação, a banda entrou na barraca, de forma muito madura, dando língua para quem os chamava de estupradores.

Para fechar com chave de ouro, um rapaz que trabalha com a banda passou por nós e disse “Comunismo consciente!”, apontando para o boné em sua cabeça, bordado com a foice e o martelo. Oi?! Primeiro que o fato de se indignar e protestar contra as injustiças não faz da pessoa comunista, segundo que... o quê?! É uma piada? Não entendi! Ele então volta: “Sou militante comunista há mais de 12 anos. A mídia está manipulando vocês; vocês estão sendo usados. Vocês vão ver: vai ser tudo provado.” Então eu me lembrei que fomos filmados durante o ato. Jogaram pedras em nós e filmaram nossas caras. Assim, tenho um recado pra mídia e para os cinegrafistas de celular que estavam dentro da barraca: divulguem! Postem! Coloquem no Facebook, no Vimeo, no Youtube, nos blogs... Divulguem! Essas são as caras de quem não se cala! São os rostos de quem não descansa até que a justiça seja feita! E já dizia Che: “Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros!”



Fotos de Viktos Braga, Fortaleza, 31 de março de 2013



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